domingo, 6 de janeiro de 2008

Cubiculo de emoções...


Cubículo de emoções…
Pássaros trancados com sonhos congelados, esperando saltar muros sem fim…
Hoje os teus sonhos expiraram, principiando os teus pesadelos, medos, arrependimentos atrasados…vinculados de ódio!
A partir de hoje, a tua vida tem outro sentido… que é nenhum! Ela vai ter outro propósito, propósito esse, que é estar enclausurado numa cela imunda, com parceiros desconhecidos, mas que daqui a algum tempo…serão os teus unicos amigos vinte e quatro horas dia.
Jogaste forte e perdeste tudo, mas... ganhaste uma coisa no meio disso tudo! Adquiriste um recinto fechado, com pessoas “esquisitas”… deves estar a pensar que esse lugar não é para ti, que tiveste azar! Não! Não, esse local é para ti, foste tu que o procuras-te e não tiveste azar…acredita! Mais cedo ou mais tarde irias parar ai…ao teu lugar.
Ultrapassaste os limites legais, pisaste o risco e agora os teus dias vão ser longos, tristes, atrofiados e sempre idênticos…
Arrependido?! Claro, mas agora não adianta pensar nisso, estás a pagar o preço justo!
A partir de hoje vais passar os dias a cogitar: "o que estaria a fazer se estivesse lá fora"! Mas não imagines…eu lembro-te! Estarias a “matar”vagarosamente pessoas, com um produto que te “matou” a ti também…
Tu és o testemunho que a droga não presta!
Agora vais ver um mundo distinto! Vais ver o sol aos quadradinhos como se fosse uma banda desenhada e com legendas escritas por ti.
Nunca olhaste o Sol? Vais ter tempo para o contemplares, acredita! Simpatizas com a lua? Gostas? Óptimo, vais ter vagar para gostares ainda mais, porque ela vai ser a tua confidente nas noites que o sono teima em não chegar.
As grades vão ser o teu melhor abraço, mas frio…e imóvel!
Pássaro trancado, sem asas para voar…é o que és neste momento!
Tinhas um mundo ilimitado e infinito…agora é limitado e sem pressas. Vais acordar e desejar dormir novamente, sonhando com o dia da tua liberdade! Mas, não penses assim…porque vais chorar muito e sofrer e ainda mais! Ai dentro sofres tu e quem está cá fora…aqueles que te amam, lembraste? Mas que nunca deste ouvidos… que te esquecias frequentemente no teu diaa dia.
A cadeia existe para seres humanos inconscientes…tal como tu. Estás no lugar certo!
A droga deu-te a conhecer muitas coisas, entre elas o prazer de estares numa cela…nunca irás esquecer esse presente! A droga também te ofertou a degradação dos estados que as pessoas chegam, o “lixo” que as alimenta, o sofrimento que causa, a dor que provoca! Nunca te vais esquecer do primeiro charro que fumaste e nunca te vais querer lembrar do dia em que passaste para as drogas mais pesadas! Pensa nisso! A tua “onda” é um fracasso…um insucesso alicerçado em ilusões. O teu maior e melhor "cheiro" a partir de hoje, é uma "linha" que tu próprio renegas...
Agora só tens uma coisa a fazer! Fazer da tua cela a tua casa, dos teus companheiros a tua família… e da tua única janela vais visualizar um mundo carregado de euforia, alegria…e tu com raiva de nós…
És um homem enjaulado, um predador fraquejado com olhos vidrados e fixos num ponto pouco definido…
Pensamento invadido de recordações, outrora esquecidas e nunca pensadas…
Passado eminente e presente conturbado com pessoas que não te dizem absolutamente nada de nada! Na tua cabeça existe apenas um vazio que teima em não ser preenchido! Não tens vontade e nem te apetece ocupar essa tua cabeça oca…porque nem isso consegues. Apetece-te levantar, mas as forças atraiçoam-te, olhar cabisbaixo penetrando-se e fixando-se num ponto que não tem sentido nem utilidade…tal como a tua vida neste momento…
Tentas ocultar o teu estado de espírito, mas olhas em redor e nada do que vês te consegue apagar a angustia que mora dentro de ti. Há, tens medo de olhares ao espelho? Claro, porque no teu rosto está estampado a amargura que te vai na alma.
Languidamente procuras enganar o teu cérebro e pensas em coisas boas…mas trazem-te ainda mais mágoa…não é?
Sentes raiva de ti, nojo do que te rodeia, repugnância desse lugar…e tens saudades do que está cá fora.
Tentas idealizar sonhos assentados na ressaca do teu choro calado…
Cubículo de emoções é o nome que posso dar a esse lugar vazio! A ti…a ti vou chamar-te pássaro ferido…ferido e alvejado num peito ensanguentado de arrependimentos e sem colete á prova de dor…
No teu cubículo de emoções vais caminhar passos repisados, pois não vais ter espaço para mais…vais pôr na parede fotografias e frases de pessoas que gostas, como que tivesses medo que elas se esquecessem de ti! Quem te ama não te esquece…podes ter a certeza! Elas vão estar sempre contigo, mesmo sabendo que erraste e acima de tudo, mesmo sabendo que cá fora… te esqueceste delas!
A tua maior dor, vai ser a falta de carinho, a ausência de um abraço e de um beijo terno e doce…
Vais pensar em tanta coisa que não pensavas!!! Vais rezar se calhar…ter aquelas conversas com Deus!!! Sim conversas, porque tu nem rezar sabes e até ao momento deves considerar que Deus foi injusto contigo!
No teu cubículo de emoções imagina só isto: tens ai dentro uma pessoa muito especial…tu! Erraste e estás a pagar por isso, não deixas de ser boa pessoa por estares nessa “aldeia”…acredita que cá fora permanecem pessoas muito inferiores a algumas que coabitam contigo.
Embora ferido, sem asas, debilitado e sem forças…pássaro ferido num cubículo de emoções…levanta-te e voa!!! Não tenhas vergonha do teu presente que vai passar a passado…pensa no teu futuro. Tudo isto é uma lição para ti… essa tua “professora” de vida é bastante dura…tira partido dela e não repitas os mesmos erros… nunca mais.
Um beijo da tua amiga

(a um amigo ex recluso)
Tila de oliveira 2001

As ruas da minha vila...


É nas ruas da minha vila que sinto a calçada sorrir para mim, quando o passar dos meus passos deslizam sobre elas.
Embora corroída e envelhecida pelo decorrer dos tempos, é só nas minhas ruas com calçada de paralelos lisos que o tempo danificara… que me reconhecem.
Essas ruelas de cor cinzentas ainda encobrem os becos onde brinquei, mas que outrora tinham outra cor.
Quando palmilho aquelas vielas…“sinto” que todo aquele cenário se inclina para mim, como se estivessem a darem as boas vindas. As casas desabitadas pelas gentes que já morreram têm vida quando olho para elas, e por momentos “vejo” essas mesmas figuras no lado de lá das janelas. O meu pensamento vai até esse tempo que o próprio tempo levou…mas que não aboliu da minha memória.
Nessas ruas já um tanto desertas e com calçada envelhecida, sei de cor os locais onde me refugiava para pensar no meu futuro…nas promessas que fiz a mim mesma.
Sei o lugar, onde imaginava á minha maneira um mundo fora dali…ainda sei, todos os pensamentos que tive em cada recanto da minha rua! As certezas e incertezas, as duvidas, os sonhos…tudo se mantém e mesmo as gerações subsequentes nunca irão conseguir “roubar” os meus sítios, porque eles também “pertencem” a uma menina que ali nasceu e brincou naquelas calçadas onde outras brincam agora.
Nessas lajes estão gravadas palavras invisíveis que escrevi com o meu pensamento, parece que ainda vejo as “minhas ânsias” da altura, épocas onde queria conhecer muito mais realidades para além daquilo que via…o fundo da rua era o fundo daquele mundo… mas, com persistência alojava o olhar dentro da minha imaginação e juntos sobrevoavam todas as ruas da minha vila…na busca de outras avenidas…
Os postes de electricidades eram “a minha luz” mais longínqua…e hoje estão aqui tão perto de mim…
Olhava para a claridade deles e parecia tão forte e difícil de tocar…hoje vejo que é fraca e fácil de alcançar…
Nessa luz punha o meu futuro sem medo ou receio, porque nunca tinha visto outra para além daquela…a não ser a luminosidade do sol…mas essa “luz” era uma ilusão.
Em alguns dos meus espaços, outras existências foram construídas… mas nunca aniquilaram da minha lembrança esses sítios…e o que contemplo nunca é o que está agora, mas sim, o que se encontrava primeiramente.
Está tudo gravado no lado de lá da minha mente e quando olho para estes “esconderijos” todos são autênticos e reais…
Nas ruas da minha vila ainda oiço o bater da corda na terra batida onde saltava á tarde com os meus amigos…ainda oiço o pedalar da minha bicicleta e o rugido da corrente quando saltava do carreto…recordo o tilintar dos berlindes…a euforia de quando brincava ás escondidas ou á cabra-cega…
O riacho, o riacho que corria pertinho da minha casa já não existe…mas ainda o oiço… consigo visualizá-lo porque a minha memória não deixou falecer as lembranças de tudo aquilo que vivi nas ruas da minha vila…
As ruas da minha vila não são como as da cidade…por isso a torna tão especial, singular…e tão minha!


Tila de Oliveira