sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Ninguém os quer ver...




Apenas um saco os persegue nesta procura sem direcção. Qualquer local serve para assentar o corpo anestesiado pelo frio e chuva. O vento cá fora assopra sem dó e piedade, cada Homem busca o lugar que não deseja para se albergar.
A rua está deserta…
As olheiras abrigam-se atrás duma pele ressequida e escura, os olhos estão vidrados desde o dia em que a rua os hospedou. Nas mãos, nas mãos carregam o “nada”, um “nada” pesado e gigantesco…a coluna curvasse postando o rosto volvido para um chão que é continuamente o mesmo.
Hoje fica aqui, neste recanto pintado com tintas incertas e desenhos indecifráveis…neles vê tudo e nada.
O dia acaba! A noite faz-lhe companhia sem a presença da lua, das estrelas…e dum céu cristalino. Ele próprio é a sua companhia e quando não a quer, substitui-a pela sombra que o escolta, que parece em melhor estado que ele.
As horas sucedem-se, mas que interessa as horas se são todas iguais? Outro moribundo chega…mas ligeiramente desaparece no silêncio da noite, quando vê que este canto está habitado.
Espera que o dia nasça, como se aguardasse por algo …mas o dia chega, mesmo que não seja apetecido!
No intervalo entre a noite e o dia, outros “sem abrigos” friccionam as mãos gélidas uma contra a outra, tapam os rostos com gorros feitos de orifícios sem concertos. Nos pés…os pés contêm uma pele espessa com fissuras oferecidas pelo chão que calcam. Essa compacta tez é os sapatos que os conduzem onde os pés anseiam andar…
Na mente nada se move, porque o futuro não existe…
Uma luz acendesse numa casa qualquer, ele olha com nostalgia…
Lá dentro tudo se ilumina de cor, de aconchego…cá fora é o oposto daquela visão verídica e incomodativa.
Desvia o olhar…porque lhe faz mal…
Enfrenta a realidade com os olhos colocados no seu horizonte que é mesmo ali.
Deita-se… na sua “enxerga”! A sua cama de cartão é mais minúscula que a extensão do seu corpo, a almofada é a sua mão gelada que enregela o seu pensamento…
O dia vem com um sol enfraquecido…
Os caixotes do lixo estão cheios não de imundície… mas de algum mantimento para enganar um corpo debilitado e onde o nada se torna algum …
Olhos cegos da realidade observam estas pessoas e gestos, abanam a cabeça num sinal de incómodo…é a veracidade indiscutível, com que muitas criaturas vivem.
A revolta marca o início do nosso dia…
Não olhamos para trás, não queremos voltar a visionar essa peça que durou uns minutos, mas mais á frente outro cenário idêntico se depara… é inaceitável deixar falecer estas “representações” do nosso pensamento.
Este é o filme da vida, baseado em acontecimentos verídicos…onde a pobreza está patente no quotidiano! Os olhares não são pintados para parecerem descontentes, porque já o são…o sorriso não é ensaiado vezes sem conta, até que fique bem numa tela de cinema…porque simplesmente o sorriso foi obstruído pelas vicissitudes da vida. Os gestos não são treinados, porque a vida os imobilizou.
Neste palco são desnecessários produtores ou realizadores para incrementarem a arte de interpretar…estes actores “recitam” bem, mas não foi esta ocupação que elegeram para a sua vida.
Quando abrem os olhos adormecem numa tristeza infindável e quando os fecham…não dormem nem sonham, porque têm um sono tão perturbado que não lhes permite fantasiar.
Este homem, direcciona-se a alguém e estende a mão sem falar, talvez já nem saiba mendigar ou talvez nem seja preciso… os factos falam por si. Esquivam-se dele…por medo, por indignação ou por desdém! Outros estendem o braço, agarrando uma moeda em apenas dois dedos sem tocar nele…a pobreza não se pega, se alguém não souber!!!
As atitudes menos dignas das pessoas já não importam a estes seres que vivem em função da bondade dos outros! A tristeza é tão vasta que qualquer acto descabido já não os transtorna.
O que os perturba mais é a insensibilidade e o desdém…talvez.
O que é incompreensível e inaceitável é virar a cara e fingir que nada vimos…
O que é intolerável é desprezar pessoas que nada têm. È inadmissível terem vergonha destas pessoas!
Será que nunca nos questionámos: “o porquê de viverem neste “patamar” da vida?!”
A vida dá e tira-nos muitas coisas…
Em algumas situações erramos e fazemos coisas menos correctas…mas noutras não. Alguns dos “sem abrigos” que nos circunda…são “vitimas” de abandono, violação, maus tratos… outros não, claro! Então não vamos generalizar, vamos parar de olhar para eles duma forma menos correcta, como se fossemos superiores.
Eles são dignos de sorrisos, de apoio…
Vamos se possível, temporizar a pobreza o mais que podermos…
Os nossos olhares repletos de humilhação “mata-os” interiormente! Já basta conviverem nas condições em que assistem… não temos o direito de os reprimir mais.
A sociedade em que nos deparamos tem medo da pobreza, mas pobre não é só aquele que não tem condições…”infortunado” também é o indivíduo isento de sentimentos.
Parte de nós ignora-os, fingimos que não os presenciamos…ficamos inquietados com tamanha miséria, mas a verdade é que eles andam por ai.

Com toda a certeza, os “sem abrigos” têm saudades deles próprios…



Tila de Oliveira